08 April 1994

Ele Salvou Milhares de Judeus: Aristides de Sousa Mendes Herói na Segunda Guerra Mundial

Pouca gente saberá, mas Portugal teve o seu herói na Segunda Guerra Mundial. Corria o ano de 1940 e milhares de judeus procuravam fugir para países neutrais. Nessa época, houve um português que concedeu 30 mil vistos de passagem para Portugal, Aristides de Sousa Mendes ousou desobedecer às ordens de Salazar e pagou por isso. Passados mais de cinquenta anos, os seus descendentes ainda esperam a homenagem merecida. Em exclusivo, A PENA seguiu a rota de uma aventura que está longe de terminar...
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10 de Maio de 1940. Seria um dia igual a tantos outros, em plena Segunda Guerra Mundial. Mas foi nessa manhã cinzenta que um grande número de Judeus acorreu ao Consulado Português em Bordéus. O motivo era simples: pretendiam vistos de passagem para países neutrais, como Portugal e Espanha. Aristides de Sousa Mendes do Amaral e Abranches era o homem da confiança de Salazar, e cônsul português naquela cidade do Sul de França. Confrontado com os pedidos dos Judeus, Sousa Mendes viveu um terrível dilema: por um lado, sabia que aquelas almas corriam perigo de vida; por outro, não podia desobedecer às ordens de Lisboa, vindas de Oliveira Salazar, amigo da família. Mas nesse momento delicado, o nosso homem ousou desafiar ordens superiores e concedeu mais de 30 mil vistos de passagem para Portugal. Ainda hoje, estão espalhados pelo Mundo muitos dos refugiados que contaram com a coragem de Aristides.
Salazar não lhe perdoou e a 4 de Julho do mesmo ano, determinou a instauração de um processo disciplinar ao Cônsul português, por desobediência às ordens emanadas pelo Governo Português em Novembro de 1939.
Não passou muito tempo. A 30 de Outubo de 1940, Oliveira Salazar assina um documento, onde se condena "o cônsul de 1ª classe, Aristides de Sousa Mendes, na pena de um ano de inactividade com direito a metade do vencimento de categoria, devendo em seguida ser aposentado".
Por outras palavras, estava acabada a carreira diplomática de Sousa Mendes.
Nascido a 19 de Julho
Aristides de Sousa Mendes nasceu a 19 de Julho de 1885, em Cabanas de Viritato, uma aldeia no concelho de Carregal do Sal, distrito de Viseu. Licenciado em Direito, foi professor e advogado, estreando-se na diplomacia pela mão do Conde de Águeda. Brasil, Estados Unidos, Antuérpia e Bordéus foram algumas das paragens onde desempenhou papéis de relevo na vida diplomática portuguesa.
Em 1938, Aristides é enviado para Bordéus, onde permanece dois anos. Nessa altura, Pedro Nuno Sousa Mendes, um dos 14 filhos de Aristides, tinha 18 anos e agora, mais de meio século volvido, procura o fio à meada. "Nessa altura sentiamos que alguma coisa se ia passar nos próximos anos, pois já se preparava a Segunda Guerra Mundial, o que veio a acontecer um ano depois, com a invasão da Polónia por parte doa Alemães".
Em 1940, dá-se a invasão da Bélgica, da Holanda e do norte de França, tinha o cônsul português 55 anos. O afluxo de Judeus a pedirem refúgio era cada vez maior. Pedro Nuno recorda como tudo se passou: "O meu pai estava muito cansado e durante três dias esteve de cama extenuado e não falando com ninguém, devido à gravidade da situação. A dada altura, ouviu uma voz que lhe ordenava que se levantasse e fosse dar os vistos aos Judeus. O meu pai, profundamente religioso, levantou-se bem dispsoto e diante de milhares e milhares de Judeus,foi para o Consulado e prometeu às pessoas que as iria ajudar".
Pedro Sousa Mendes recorda, a propósito que o pai era "muito generoso e muito bom para todos. Tinha um grande coração". Nas palavras do seu filho, "foi um homem que fez tudo o que ninguém mais fez. Deu a sua vida e a sua carreira pelos refugiados".
Casa cheia
Os refugiados eram aos milhares e nem todos de origem judaica. Pedro Nuno, testemunha ocular do acontecimento, conta mesmo que entre os refugiados alguns eram "pessoas de categoria social", como actores de cinema, escritores, membros da família real da Áustria e de outras Casas Reais. Mas a ajuda de Aristides não se ficou pela passagem dos vistos. O filho, hoje com 73 anos e reformado da sua actividade ao serviço do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Bélgica, recorda que a sua casa em Bordéus chegou a albergar inúmeros desconhecidos. Até a cozinha foi ocupada por um casal de refugiados. "Eu costumava ouvir as notícias no rádio da sala, mas a partir dessa data já não entrava na sala, porque estava cheia de refugiados, principalmente de idade".
Pedro Nuno não esconde o orgulho que tem no pai e nota-se um irresistível brilho nos olhos quando afirma "que mais ninguém teria tido coragem para desafiar as ordens de Salazar".
A partir daí, a vida de Aristides de Sousa Mendes nunca mais foi igual. A PIDE descobriu a "traição" e de Lisboa vinha a ordem de Salazar: o Cônsul tinha que voltar a Portugal. E voltou, refugiando-se na sua terra natal. Nunca mais ninguém ouviu falar dele. Salazar não lhe perdoou. Aristides de Sousa Mendes acabaria por falecer na miséria em Abril de 1954, na sua residência em Cabanas de Viriato.
Esquecido pela pátria
Mas o herói português na segunda guerra mundial não foi esquecido no estrangeiro. É que, por todo o mundo vivem ainda milhares de pessoas que lhe devem a vida. O Canadá, a França, os Estados Unidos e Israel já, por várias vezes homenagearam o ex-diplomata português. Em Montreal, por exemplo, há um jardim com uma árvore plantada com o seu nome. Por outro lado, o Senado dos Estados Unidos também lhe prestou homenagem, aprovando uma resolução que louva Sousa Mendes, "pelos seus extraordinários feitos de solidariedade e justiça". O filho Pedro Nuno constata, com alguma mágoa, que Portugal ainda não reconheceu o mérito do pai: "O regime actual sem ser salazarista é cavaquista e o regime não é capaz de desobedecer para salvar as pessoas. Ainda hoje, é mal compreendido. Aliás, basta ir ao Ministério dos Negócios Estrangeiros actualmente para se verificar que se respira o mesmo ambiente que em 1940".
Apesar de tudo, alguns portugueses recordam-se de Aristides. Mário Soares, Presidente da República, condecorou-o a título póstumo em 1987, com a Ordem da Liberdade.
No ano seguinte, na Assembleia da República foi aprovada uma lei que reintegrava o ex-cônsul Sousa Mendes na carreira diplomática, decretando uma indeminização aos seus herdeiros legítimos. Passaram seis anos e, curiosamente, o dinheiro ainda não apareceu. "São cerca de 700 contos que ainda não apareceram, porque ninguém quer tirar da gaveta essa indeminização".
Indignados e magoados com o Estado português, os descendentes do ex-cônsul português, mantêm, no entanto, o grande orgulho em Aristides de Sousa Mendes. Um homem que ousou desobedecer a Salazar, para defender os Direitos Humanos de milhares de cidadãos. Um português... esquecido pela sua Pátria.
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de Nuno Azinheira
e Jorge Tavares
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em A PENA

01 January 1994

Projecto

Este blog tem como principal fim dar a conhecer a vida e obra do Consul Português Aristides Sousa Mendes, através de relatos públicados na imprensa, livros editados, e documentários, bem como todo o processo de divulgação da sua obra até aos nossos dias.
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